31 de dezembro de 2010

Contos de um Camping

A garota do retrato - Parte 1

De todas as coisas que já aconteceram naquele camping, talvez essa tenha sido a mais tensa. Como sempre, aconteceu em um dia como outro qualquer que, como eu já disse, pode reservar muitas surpresas.

Não me lembro os acontecimentos anteriores, me lembro do dia a partir daquele acontecimento, que foi o que desencadeou tudo.

Foi logo depois de um jogo de vôlei, se me lembro bem. Estávamos sentados no canto da arquibancada que fica de frente para a quadra de areia. Do lado esquerdo dela há uma quadra de bocha que praticamente ninguém usa e, como estava sol, eu estava sentado na frente da porta, que estava aberta, nas sombras do telhado, assim como meus três amigos. Lá no fundo das quadras, há uma academia desativada. Os equipamentos estão quebrados desde muito antes de eu começar a freqüentar o camping.

O dia estava quente, pois era verão, e um vento morno soprava. Um pouco mais adiante, no meio da arquibancada, outras pessoas, conhecidas nossas, conversavam animadamente.

Foi de repente, como sempre acontece.

Simplesmente foi como se os sons ao nosso redor tivessem se “apagado”. O silêncio foi completo e opressor. O ar não estava mais quente, um vento gélido soprou por ali, fazendo-nos arrepiar dos pés à cabeça, o tempo parecia passar mais devagar. Do fundo da quadra de bocha, diretamente da área de musculação, uma voz flutuou até nós, até mim, que estava de frente para a porta. Era a voz de uma criança, uma menina. Uma palavra foi o que ela disse. Viramos a cabeça, atraídos pelo som, buscando entender o significado do que era dito e, como se a garota quisesse realmente que entendêssemos, a mesma palavra, mais uma vez, chegou até nós.

Meu corpo se arrepiava a cada segundo, todos os pêlos em pé, sentindo a presença de quem falava. Minha mente, alerta, processava o som dezenas de vezes por segundo, procurando um significado, sem nada encontrar.

Então, da mesma forma que começou, acabou. Os sons voltaram ao seu volume normal, o ar se aqueceu e o vento quente voltou a soprar.

Olhei para o que estava mais próximo de mim.

- Você ouviu?

- Ouvi – ele respondeu.

- Mas o que foi que ela disse? – o outro, que estava à minha frente, respondeu.

- Não sei também, mas foi uma palavra, não é? – terminou o terceiro.

- Duas vezes – eu falei.

Todos concordaram com a cabeça.

Conversamos um pouco sobre aquilo, tentando entender o que a menina tinha dito, mas não chegamos à conclusão alguma. Resolvemos não contar a ninguém, pelo menos naquele momento e tentamos deixar o assunto de lado.

À noite, voltamos para a quadra de vôlei.

Talvez fosse apenas o medo, mas sentíamos como se algo nos atraísse para lá.

Sentamos nas arquibancadas e ficamos observando. Eu, tecnicamente, ainda não estava com medo, mas eu percebia que um dos meus amigos estava simplesmente paralisado. Os outros dois tinham medo mas estavam conseguindo disfarçar relativamente bem.

Foi aí que um desses dois se levantou.

Ficamos observando, apenas vendo o que ele ia fazer. Ele começou a descer a arquibancada em direção à quadra. O outro, que estava paralisado, ficou mais ainda, nem respirando ele parecia estar.

O cara, que agora já estava na quadra, era meio idiota e essa era como uma marca dele. Mas nunca soubemos se o que aconteceu a seguir foi real ou se ele estava encenando. Eu acredito que tenha sido real. Quando ele mente, ele sempre ri. Dessa vez, após os acontecimentos, quando fomos falar com ele, ele disse que não se lembrava de nada. E não riu hora nenhuma.

Definitivamente eu sentia uma presença ali naquela hora. O nosso amigo andava pela quadra de um lado para o outro, sussurrando baixinho, até que ele parou, mais ou menos no meio, e olhou para o fundo da quadra fixamente, o corpo tenso. Lentamente, começou a andar para lá. Um dos outros que ainda estava sentado comigo gritou o nome dele, dizendo para que voltasse. Ele ou não escutou, ou fingiu não escutar. Continuou sua lenta caminhada, até que parou.

Levantou um braço e apontou para o meio do nada e começou a falar.

- Não vão para a escada! Fiquem longe dela! – então ele se abaixou e pegou “alguma coisa” no chão (que não era nada, na verdade) – Uma moeda. De um lado tem uma caveira... – não me lembro o que havia do outro lado, ele ficou fixo naquela caveira – Fica longe deles! – novamente ele levantou a cabeça e apontava na direção de onde havia a ‘escada’ que não era para irmos – Pode me levar, mas fica longe deles!

Os outros dois agora estava paralisados. Olhei para eles, que tinham os olhos fixos, sem piscar, no nosso amigo que, aparentemente, tinha enlouquecido. Olhei novamente para o tal e vi que tinha caído de joelhos. Representação ou não, aquilo já tinha ido longe demais.

Levantei da arquibancada e fui até ele, que tentou se afastar de mim, mas eu o segurei pelo braço e o forcei a levantar, falando o nome dele em voz alta e puxando-o com força para cima. Seus olhos estavam arregalados e não se desviavam de um ponto vazio no meio do nada. Olhei ao redor e, mesmo que sentisse, não via nada. Forcei minha mente a não pensar naquilo e fui levando-o a reboque para a arquibancada.

Os outros dois se levantaram, trêmulos e me ajudaram a levá-lo para longe dali. Quando já estávamos dentro de algum chalé, o nosso amigo pareceu ‘voltar ao normal’, mas não se lembrava do que tinha acontecido. Ainda assim, estava meio estranho.

Achamos que tinha acabado, mas tinha apenas começado...

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